Luiz Antônio Aguiar
para o JORNAL DO BRASIL
EM SUA NOTA INTRODUTÓRIA, Alexandre Raposo, situa-se:. “...o romance literário é um tipo de mentira sofisticada, perpetrada com o consentimento de quem o lê”. E a epígrafe que apadrinha o Livro 1 do romance amplia essa noção: “É preciso saber ignorar”. A começar pela epígrafe; sim, saber ignorar é preciso; é preciso possuir certa sabedoria para ignorar, para ser capaz de ignorar bem, de modo fértil; para tomar a ignorância, ou aquilo que não se sabe, em conhecimento-outro da realidade: da história, no caso, um conhecimento que ultrapasse fatos e fontes: a ficção. Os simulacros, as verossimilhanças, a arte do fazer parecer possível, prestidigitação, conhecimento. Inca, de Alexandre Raposo, exerce essa arte com exuberância e emoção.
para o JORNAL DO BRASIL
EM SUA NOTA INTRODUTÓRIA, Alexandre Raposo, situa-se:. “...o romance literário é um tipo de mentira sofisticada, perpetrada com o consentimento de quem o lê”. E a epígrafe que apadrinha o Livro 1 do romance amplia essa noção: “É preciso saber ignorar”. A começar pela epígrafe; sim, saber ignorar é preciso; é preciso possuir certa sabedoria para ignorar, para ser capaz de ignorar bem, de modo fértil; para tomar a ignorância, ou aquilo que não se sabe, em conhecimento-outro da realidade: da história, no caso, um conhecimento que ultrapasse fatos e fontes: a ficção. Os simulacros, as verossimilhanças, a arte do fazer parecer possível, prestidigitação, conhecimento. Inca, de Alexandre Raposo, exerce essa arte com exuberância e emoção.
Parte substancial do romance consiste no relato de Lloque, o amauta-sábio, conselheiro, fonte confiável para que se desfaçam enigmas antropológicos e arqueológicos sobre os incas, já que Lloque foi figura de destaque da corte de Cuzco, do apogeu do Império até a execução de Atahualpa, que deflagra um declínio vertiginoso da civilização andina.
No entanto, a existência predestinada de Lloque inicia-se na ilha da Páscoa — teria nascido, exatamente (embora não se registrassem datas à moda cristã, como de resto, talvez, de nenhuma outra maneira, entre os tamines) a 12 de outubro de 1464. Seu pai era um guerreiro tamine, descendente dos habitantes mais antigos da ilha, talvez os mesmos que erigiram as famosas estátuas. Sua pequena família constituía-se nos únicos sobreviventes da raça. Nessa época, Páscoa já haveria sofrido um surto migratório, vindo da Polinésia. Canibais, pouco se importando com a imponência das estátuas espalhadas pela ilha, os polinésios viam os tamines como caça, nada mais. Uru, pai de Lloque, guardião de fantástica coleção de tábuas onde se achavam registradas as lendas e a cosmologia tamine, sabe, pela escritura das tábuas, que há um continente distante a ser alcançado, atravessando o mar — empreitada insana, mas que alternativa tinham?
As tábuas contavam que os tamines seriam descendentes do Povo do Sol, ao qual se reuniriam, algum dia, quando retomassem ao continente. Em contrapartida, entre os incas, corria uma profecia que anunciava, também para algum dia futuro, a chegada de descendentes do povo ancestral — esse evento marcaria o início da ascensão da civilização inca, o período das conquistas, das invasões, da prosperidade, da riqueza e da glória, da formação do Império.
Lloque chega a Cuzco ainda bebê de colo. E somos conduzidos através da narrativa pelo seu relato nostálgico, dolorido, aos 77 anos, já em plena dominação espanhola. Cientes de que o Império viverá também sua decadência, sua penúria, e que seremos inevitavelmente levados a acompanhá-la, nós, que fôramos seduzidos a admirar, a torcer pelos incas, a apreciar seu refinamento exótico, e mesmo a tolerar as atrocidades que (também) cometiam, somos contaminados pela mesma compaixão com que Lloque, testemunhando o presente, desvela o passado. A nós, latinos modernos, foi deixada uma história do Império baseada nos brutamontes assaltantes de Pizarro, no que se depreende de ruínas etc... Lloque, que viu as fundações daquelas construções serem escavadas, como símbolo de grandeza emergente, não esconde, nem procura fazê-lo, seu lamento, a cada linha, pelo desfecho que já conhece, que não poderá evitar, mesmo em suas memórias, mesmo em seu relato. O efeito desse olhar desolado do narrador, mesmo nos momentos mais pujantes, é o que nos comove.
Raposo usa a ironia em boa medida, e mesmo a gozação, toda vez que seu texto constrói uma verossimilhança tão poderosa que corre o risco de ser desfigurada como verdade. E, com bom toque, vale-se de um tratamento de linguagem eficiente — sem firulas —, mais do que apropriado para o contexto em questão. O autor, estreante, realizou extensa pesquisa, visitou os locais que lhe servem de ambientação, exauriu amigos, compelidos a conviver com algum obcecado, havia anos, pelos incas. Como resultado, talvez cumpra a ameaça ou promessa — de sua nota introdutória, despertando a imaginação dos leitores para a possibilidade de a realidade “ter sido ainda mais inacreditável”. No entanto, Inca, na prática, renega tal princípio, mesmo que, de início, tenha lhe servido de álibi. O que fica da leitura é a sensação de que realidade nenhuma pode demonstrar-se — ou comprovar-se — crível, sem o poder, a magia e a comoção que lhe é conferida por aquele que a narra.
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Luiz Antônio Aguiar é escritor
Alexandre, também tenho a alegria de ser ex-aluno do Andrews. Por meio do perfil da Carmen Falcon (t 1981) li sua crônica adorável sobre o Bernardinho e ao passear um pouco por seu blog percebi que você também é o autor de um livro delicioso que li há mais ou menos 13 anos: "Inca - Uma Saga na América Pre-Colombiana". Parabéns pela temática (tão variada quanto interessante) e pelo estilo literário. Grande abraço, André Cantidiano.
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Excluirli o tome agora. amei. vou ler todos. parabens. picaresco e historico, como curto
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