quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Simpatia pelo demônio

Roberto Muggiati
para a MANCHETE

ALEXANDRE RAPOSO ESTREOU na ficção com um romance histórico sobre a saga dos Incas. Agora, com Memórias de um diabo de garrafa, ele se solta mais e faz uma fusão de ficção e história, elegendo como narrador um diabo que atravessa 500 anos sem jamais ter saido de uma garrafa de pouco mais de meio litro de capacidade. O lançamento do livro coincidiu com a recente nova investida da Igreja Católica contra o demônio, que culminou com a divul­gação, pelo Vaticano, do seu novo manual de exorcismo, De exorcismis et supplication­ibusquibusdam. O livro de Ra­poso não trata do Maligno, primeiro e único, mas de um aparentemente inofensivo diabo de garrafa (entidade muito próxima ao gênio da lâmpada) que vai mudando de mãos ao longo dos séculos. (Raposo não é roqueiro, mas sua história lembra um pouco a letra de Sympathy for the Devil, dos Stones, que fala de um demônio que participou da agonia dé Cristo, da morte dos Romanov na Re­volução Russa, do assassinato dos Kennedy.)
   A saga do bichinho da garrafa é um pretexto para traçar perfis de curiosas figuras históri­cas, desde o artista florentino Benvenuto Celli­ni, que conjurou o diabo numa madrugada de 1526 nas ruínas do Coliseu romano, até — pas­sando pelo navegante português Nuno da Silva, pelo frade domini­cano Suarez Gavillán e pelo virtu­ose do violino Paganini — o arqueólogo brasileiro José Afonso Gonçalves e seus herdeiros, aos quais foi legada a garrafa com o seu tripulante intacto.
   Ao final, uma reflexão, ho­nesta, do diabo de Raposo: “Os quase cinco séculos que vivi não me habilitaram a chegar a qual­quer conclusão a respeito da condição humana, do sentido da vida, de onde viemos, para onde vamos etc. etc. etc.
   O livro termina com uma Re­ceita para se conjurar um diabo dentro de uma garrafa e mantê-lo ali per saecula saeculorum (Versão tropical atualizada). Quem quer tentar? Segundo Ra­poso, “se tudo correu como o espetado, há chances de você ser o feliz proprietário de um diabo de garrafa como eu”.
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Roberto Muggiati é escritor e jornalista.

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